Companhia Taubaté Industrial

Companhia Taubaté Industrial

Transformações econômicas na cidade

Na passagem do século, as atividades econômicas desenvolvidas na cidade aumentaram e se diversificaram apoiadas em um mercado interno de consumo básico.

Assim, sobre o comércio afirmava-se em 1899: “o movimento comercial já e bem importante…”. Esse setor continuou ganhando destaque durante o século XX, mantendo-se fortemente ligado à produção agrícola. Uma parte dos comerciantes conservou sua ligação com o mercado internacional. O número de exportadores de café se manteve estável até a primeira década do século XX, mas, à imagem do acontecido com os produtores, tendeu à concentração.

Apenas os que negociavam grandes quantidades, os comissários ligados à oligarquia, resistiram aos impostos e às oscilações no setor. Paralelamente à diversificação dos cultivos, outros produtos entraram no setor de exportação.

Em 1907, por exemplo, Taubaté se destacava como exportador de frutas. Foi também o comércio de produtos agrícolas que reforçou a penetração de Taubaté no mercado nacional. Notadamente, estreitaram-se os laços econômicos com a região circundante: Taubaté era, segundo o Almanaque de 1905, “centro convergente do comércio de todas as localidades do Norte do Estado e Sul de Minas”. Além do trânsito de mão-de-obra, de lá chegavam os gêneros alimentícios que faltavam no município e para lá eram enviados seus excedentes. E a cidade continuou sendo um privilegiado entreposto de tropas, que de Minas desciam para abastecer grandes centros urbanos, e que de Taubaté levavam farinha, carne e outros produtos.

Foi principalmente a produção de gêneros alimentícios para o consumidor local a que estimulou o comércio taubateano. Ambos eram conseqüência do considerável aumento populacional. Apesar dos desmembramentos, Taubaté foi sempre o município mais povoado do Vale e a terceira maior cidade do Estado, depois de São Paulo e Campinas. Por outro lado, ainda que a maioria dos habitantes residisse fora do perímetro urbano, a população da cidade não deixara de crescer, passando de aproximadamente 10 mil, na passagem do século, para 28 mil no final dos anos de 1930. Era na cidade onde se consumiam os produtos das fazendas, chácaras ou sítios das redondezas, e para onde se dirigiam os lavradores, principalmente aos domingos, para adquirir o estoque semanal. Por isso, além das feiras livres, foram os açougues, as padarias e as casas de secos e molhados os estabelecimentos comerciais que mais prosperaram.

Também o comercio de produtos manufaturados foi incentivado com o incremento populacional, todavia não ao ponto de permitir uma especialização, sendo mais comum encontrar vários tipos de gêneros num mesmo estabelecimento. A alguns negociantes, como Barnabé Ferreira de Abreu e Costa ou Morelli & Cia; em 1899, a extensão de seu negócio e a acumulação de lojas permitiram diversificar investimentos. De resto, os artigos comercializados eram em geral simples, de primeira necessidade: sapatos, roupas ou móveis, produtos de armarinhos, fumo e farmácias. O consumo “supérfulo” se reduzia a algumas lojas de charutos, espelhos, chapéus, livrarias, papelarias e joalherias.

O incremento da demanda provocou também o surgimento de algumas profissões – pintores, fotógrafos, professores de música ou afinadores – , o aumento dos barbeiros e dentistas e, em geral, animou a oferta de serviços, sobretudo dos relacionados com o entretenimento. Nesse período proliferaram bares, botequins, bilhares; instalaram-se casas de sucos, confeitarias ou lojas de brinquedos, casas de banho e lotéricas. Multiplicaram- se também os restaurantes e hotéis, não só para os visitantes, mas também para servir aos taubateanos comidas a domicílio, para servir aos taubateanos comidas a domicílio.

A atividade artesanal, ao contrário do que ocorreu com o comércio, não se expandiu significativamente, mantendo-se praticamente inalterada até finalizar a primeira década do século XX. Nos Almanaques de l888, 1899 e 1905 verifica-se que só aumentou o número de serreiros. Predominavam ainda as atividades relacionadas à construção (pintores, pedreiros, aparelhadores de água e gás) que, como no setor comercial, estavam voltadas para uma produção de primeira necessidade. Em l888, por exemplo, havia também amadores para festividades e funerários, colchoeiros, costureiras, relojoeiros. Em 1907. surgiram novos serviços, como marmoristas, tintureiros, vidraceiros e oficinas ciclísticas. Como no período anterior, o número de ocupados em cada atividade era reduzido e a especialização era escassa, de modo que um mesmo indivíduo podia reunir vários ofícios ou alternar épocas de trabalho com outras de desemprego.

No Almanaque de 1907, verifica-se a diminuição do número de oficinas, com exceção dos relojoeiros. A causa imediata, de acordo com os próprios protagonistas, era o excessivo número de impostos. Mas também a progressiva invasão de produtos industrializados estava substituindo, ao menos entre consumidores de maior poder aquisitivo, produtos ou serviços artesanais. Isso aconteceu com os alfaiates, sapateiros, carpinteiros ou manipuladores de fórmulas farmacêuticas, preferindo-se as roupas, móveis e remédios industrializados. O processo foi lento e precedido de um longo período de transição, em que ambas as atividades coexistiram e se complementaram porque nem fabricavam os mesmos produtos, nem cobriam

o mesmo mercado. Era contudo irreversível, e muitos desses trabalhadores autônomos passaram a ser assalariados em grandes empresas, caso dos pedreiros ou carpinteiros que engrossaram paulatinamente a força de trabalho das empreiteras. Outros empreendimentos artesanais atingiram certo grau de sofisticação e se transformaram em pequenas fábricas, caso de olarias e futuras fábricas de tijolos e telhas. Mas a indústria, ramo em que se produziram as maiores novidades, chegou por outros canais.

Como aconteceu com o primeiro empreendimento industrial, a companhia de gás, outras de menor envergadura foram fundadas para atender as necessidades urbanas, caso da “Companhia de gás, outras de menor envergadura foram fundadas para atender as necessidades urbanas, caso da “Companhia de Bondes do tremembé” e a Taubateense”, ou da “Fabrica de Carros e Trolys”. Também elas usufruíram do programa das autoridades locais para captar investidores: beneficiaram-se da isenção de impostos de indústrias e profissões, geralmente por dez anos, receberam terrenos e gozaram de sua intermediação perante o governo, para serem isentas das taxas de importação na compra de sua maquinaria.

Entretanto, sofreram as limitações do governo federal, que desejava favorecer a industria, mas sem detrimento dos interesses dos interesses dos grandes importadores, de café principalmente, ou de suas próprias necessidades financeiras, que o obrigavam a aumentar as tarifas alfandegárias.

O número de empresas aumentou na passagem do século, ainda que lentamente. tratava-se em geral de fábricas de pequena envergadura, de curta duração, com reduzido número e centradas no mercado local. Até 1900 predominaram as de produtos básicos – fábricas de água, gasosas, bebidas alcoólicas, chapéus de sol, cerâmica, serraria a vapor e louças – e as relacionadas com as atividades agrícolas locais – como o Engenho Central, as companhias de refinação de açucar ou as máquinas para escolha ou beneficiamento de café existentes em 1917. Outras, contudo, se instalaram em Taubaté, não para responder as necessidades locais, mas em atenção às vantagens que o contexto taubateano oferecia. Por outro lado, em todos esses empreendimentos houve participação de capitalistas, negociantes, fazendeiros, engenheiros locais, além de significativo número de sócios estrangeiros.

Essa era a tônica da incipiente atividade industrial no final do século, quando foi criada a CTI. A iniciativa mesclava algumas das características assinaladas, mas superava os empreendimentos anteriores em capital investido, quantidade de empregados ou de produção e extensão do mercado abrangido. Não foi decorrência de uma crescente complexidade da atividade artesanal ou de esforço de captação de excedentes de capital nem nasceu para atender a demanda local. A princípio, foi um fenômeno que se desenvolveu com independência das circunstâncias econômicas locais. Mas só a princípio, porque na realidade houve uma feliz conjunção de fatores locais e extra-locais.

Não eram incomuns os sócios não locais em empresas que requeriam uma acumulação mínima de capital, da mesma forma que os capitalistas locais investiam fora de Taubaté. Também era costumeira a procura de especialistas e técnicos além das fronteiras do município para assessorar ou dirigir projetos. Como eles, os materiais utilizados para a construção das fábricas eram habitualmente importados, favorecendo a instalação de representantes de firmas estrangeiras, geralmente francesas ou inglesas, que acabaram se interessando em participar de outros investimentos locais. havia também um fluxo de especialistas taubateanos para lugares onde pudessem aprender técnicas e observar modelos para se inspirarem.

Assim, quando foi fundada a CTI, existiam alguns precedentes locais e, sobretudo, havia infra-estrutura. Existia uma rede de comunicação e principalmente uma estrada de ferro que unia Taubaté com Rio e São Paulo. Taubaté estava estrategicamente próxima ao Estado de Minas e no camino para Ubatuba, com quem deveria se unir por estrada de ferro. Possuía também energia : turfa, extraída de jazidas da CTI, xisto, casca de café e lenha e a fábrica de gás. Além disso, estando situada perto do rio Paraíba, contava com a possibilidade de utilizar força hidráulica elétrica. Existiam também terrenos bem situados- perto da cidade, dos bairros populares, das estradas, da estação de ferro – importantes isenções foscais, capital disponível em mãos de negociantes ou cafeicultores e sobretudo abundante mão de obra, que somava principalmente desmobilizados da região de Taubaté, mulheres e crianças, italianos e emigrantes de Minas.

A inserção em um contexto maior dotou a CTI de características que a diferenciavam de outros empreendimentos locais. Um dos principais fundadores e futuro diretor, Felix Guisard, encaixava-se na imagem de técnico forasteiro: era mineiro, filho de família francesa relacionada com o ramo têxtil e tinha experiência na área. Trabalhando no Riom de Janeiro como tecelão e mais tarde gerente, adquiriu um sólido conhecimento do processo produtivo, dos avanços técnicos, do funcionamento do mercado nacional e internacional, das formas de financiamento e das relações capital/trabalho.

A CTI contava com sócios locais. A porção que coube aos sócios não-taubateanos, porém era maior. Além de conhecidos capitalistas nacionais – do Rio e São paulo pricipalmente-, destacavam-se firmas estrangeiras, ingleses sobretudo: o “London&Brazilian Bank” ou o “London and River Plate Bank”. Embora os bancos estrangeiros preferissem se orientar para o setor de exportação, negando créditos para a manufatura local que poderia competir com as importações, não tinham objeções quanto a participarem como sócios de tais investimentos.

A opção por implantar uma fábrica de tecidos também obedecia a outros imperativos extra-locais, como o da existência de um mercado nacional em expansão, política protecionista – que a partir de 1887 favoreceu a aceleração industrial dos anos 1890 – ou o procedente de outras indústrias texteis do Vale. À imagem de outros empreendimentos nacionais coetâneos, também a CTI nutriu-se de uma relação de dependência internacional. A matéria-prima, o fio, provinha da Inglaterra, como também de lá chegaram os materiais empregados na construção das fábricas, desde tijolos até telhas, as máquinas e os modelos para montagem.

Nessas condições, começou a funcionar a primeira fábrica de meias e camisas de malha de algodão, que aos poucos foi ampliando suas instalações e diversificando a produção. Após a reconstrução que sucedeu a um incêndio em 1898, começou a produção de brins e riscados populares, e foi instalada em 1910 uma nova fábrica de morim denominado “Ave Maria”. Assim, se em finais do século XIX contava com 150 operários(80 mulheres, 66 meninos de ambos os sexos e 24 homens), em 1905 já empregava 250 trabalhadores e 208 em 1908(117 mulheres e 69 crianças). Em 1912, depois de uma viagem de Felix Guisard à Europa à procura de maquinário, construiu-se uma terceira fábrica de cretone, aumentou-se o capital com um número maior de sócios, estrangeiros em sua maioria – como o “Bank of London South America LTDA.” – e admitiram-se mais trabalhadores, somando 1200. Em 1926, a empresa empregava mais de 2100 operários e era a mais importante indústria do norte de São Paulo, com cotização na bolsa e 134 ações, a maioria concentrada nas mãos da família Guisard, cuja participação foi se incrementando com o tempo. Além de Felix Guisard, principal protagonista dessa saga, encontravam-se seus irmãos, Teófilo, Eugênio e João Batista, como mestre de fábrica, encarregado da produção e responsável pelo funcionamento da caldeira, respectivamente, seus oito filhos, sua esposa e seus sobrinhos. Em 1943, 54,21% das ações eram propriedade da família.

A abundância de mão de obra e fácil escoamento, a distribuição de sua produção no mercado – com o aumento da demanda popular de tecidos, que a CTI proporcionava de 5% a 10% mais baratos – e as crise das indústrias têxteis no Rio de Janeiro nãop foram suficientes para contrabalancear os riscos da dependência econômicas do Governo. De novo, a CTI fora seriamente afetada quando em 1929 herdara as dívidas de sua representante inglesa, a “Aschworth&Cia”, acionista desde 1901 detinha o monopólio das vendas e que, atingida pela crise financeira, solicitara concordata.

Esses e outros contratempos, advindos de sua condições de dependente, provocaram mudanças na estratégia da direção, por sua vez paralelas às propostas dos principais industriais de São Paulo. Prevalecera uma marcada tendência à auto-suficiência e ao aumento da produção por meio da captação da vontade dos trabalhadores, sobre a base de um tipo de relação de trabalho apresentada como inovadora. O fato de a crise de 1929 ter superada, graças às duas horas não-remuneradas de trabalho diário que os operários concederam para salvar a fábrica, acelerou a disposição da direção para implementar uma série de benefícios sociais. No esforço de vencer obstáculos externos que freassem a sua expanção, os industriais substituíram a matéria-prima importada por algodão do Nordeste e mais tarde de São Paulo e instalaram, em 1921, uma fábrica de acessórios para a CTI. Sobretudo, desvencilharam-se da companhia de iluminação local, insuficiente para as necessidades energéticas da CTI, inaugurando em 1927 a hidroelética “Felix Guisard” que, iniciada em 1913, teve sua construção interrompida durante a Guerra por falta de cumprimento da firma fornecedora, a “Siemens-Schuckertwerke” da Alemanha. Apoiados sobre a sólida base da empresa, os Guisard também abrangeram outras áreas econômicas, expandiram-se pelo Vale e fundaram o “Jornal CTI”, a “Companhia de Cinemas do Vale do Paraíba” e a “Companhia Predial de Taubaté”. Seu crescimento superou amplamente outras empresas locais, e colocou esse setor em posição avantajada em relação ao restante das atividades econômicas. Em geral, o grande impacto da CTI foi profundo em todos os aspectos da vida local.

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